Curiosidade: English as She Is Spoke
Hoje quero compartilhar com vocês uma curiosidade do mundo de ensino da língua inglesa. Trata-se da obra English As She Is Spoke. Se você nunca ouviu falar desse livro, continue lendo para se divertir um pouco e perceber que desde muito tempo atrás, as pessoas davam um jeito de ganhar dinheiro com essa coisa de ensinar inglês de qualquer jeito.
A Ideia
Em 1855, um sujeito de nome Pedro Carolino teve a incrível ideia de escrever um livro. Dizem que a ideia veio na forma de encomenda por parte de uma editora. Não sabemos!
O fato é que a ideia era excelente: oferecer aos falantes de português um livro com frases em inglês para ajudar o pessoal a se comunicar bem em inglês. Para aquela época era um livro inovador. Algo que certamente renderia muito dinheiro!
Com a ideia firme na cabeça, Carolino deu ao seu projeto o seguinte título: O Novo Guia da Conversação em Portuguez e Inglez.
O Primeiro Problema
Incrível como sempre aparecem problemas para atrapalhar o andamento das boas ideias, não é mesmo?
Felizmente, nosso querido Carolino tinha só um problema, algo aparentemente simples que não o intimidaria: ele não sabia absolutamente nada de inglês, não entendia nada de inglês, não falava inglês. Aliás, pelo que podemos perceber nos originais do livro, nem português ele sabia direito!
A Solução
Sendo um sujeito que nunca desiste. Carolino, sujeito astuto que era, encontrou um jeitinho para resolver o problema.
Ele tinha um dicionário de português-francês e um outro de francês-inglês. Então, era só usar os dois dicionários e assim compilar seu O Novo Guia da Conversação em Portuguez e Inglez. Problema resolvido!
Assim, decidido a levar o projeto adiante, Carolino conseguiu também uma cópia de um guia de conversação português-francês. Esse guia, escrito por um tal José da Fonseca, serviria de base para a grandiosa e inovadora obra do nosso Carolino.
A Obra
Com o guia de José da Fonseca em mãos, Carolino conseguiu boa parte das frases em português e seus equivalentes em francês. Então, ele pegava o seu dicionário de francês-inglês, fazia as traduções e ia dando volume a “O Novo Guia da Conversação em Portuguez e Inglez“.
O resultado não poderia ser outro a não ser um dos livros mais engraçados e rídiculos da história do ensino de inglês (ou melhor, do ‘desensino’ de inglês).
Sim! O livro foi publicado! Nele há diálogos, provérbios, expressões idiomáticas e tudo mais que, segundo o autor, eram essenciais para que um falante de português se comunicasse bem em inglês.
Abaixo você encontra algumas das pérolas produzidas por nosso fantástico autor. Ressalto que as frases (em inglês) estão escritas da mesma forma como ele as escreveu cerca de 160 anos atrás.
- He do the devil at four.
- Have you forgeted me?
- What is it who want you?
- Why you no helps me to?
- I have mind to vomit.
- There is not better sauce who the appetite.
- Few, few the bird make her nest.
- And what clock dine him?
- Apply you at the study during that you are young.
- That not says a word, consent.
- This girl have a beauty edge.
- Sing an area.
- He has a good beak.
Mas, não ficou só nisso! Nosso obstinado Carolino também incluiu alguns Familiar Dialogues que ajudariam o pessoal a se dar bem em algumas situações em inglês (o Familiar Dialogue abaixo recebeu o título de For To Breakfast).
- John bring us some thing for to breakfast.
- Yes, Sir; there is some sousages. Will you than I bring the ham?
- Yes, bring-him, we will cup a steak put a nappe clothe upon this table.
- I you do not eat?
- How you like the tea.
- It is excellent.
- Still a not her cup.
O Segundo Problema e a Solução
Carolino sabia que não tinha tanta credibilidade assim no universo autoral. Afinal, quem era Pedro Carolino? De onde veio? Onde estudou? O que fazia? Enfim, quem levaria a sério o livro de um completo desconhecido?
Mais uma vez, Carolino deu um jeitinho. Antes mesmo do livro ser lançado, ele teve a maravilhosa ideia de espalhar aos quatro ventos que estava escrevendo o livro em parceria com o tal José da Fonseca.
Esse José da Fonseca era um cara conhecido em alguns círculos portugueses. Sujeito viajado, de boa cultura, estudado, frequentava boas casas na época. Esse sujeito certamente daria um respeito à mais na obra. Assim, foi feito! Pedro Carolino dizia ser co-autor na obra.
O fato é que Zézinho da fonseca não sabia de nada. Nem fazia ideia de que seu nome estava sendo usado no anti-didático livro de ensino de inglês. Zézinho entrou na história sem saber que nela estava!
Repercussão Internacional
O livro foi publicado em Paris no ano de 1855. Pelo visto ganhou fama onde a língua portuguesa era falada. Também! Tratava-se de “O Novo Guia da Conversação em Portuguez e Inglez“. Se era novo, recém-lançado, muita gente tinha interesse.
Não sabemos como, mas o danado do livro acabou indo parar em Macau. Para quem não lembra, mesmo sendo na China, a língua oficial de Macau é o português (e o chinês também!).
Portanto, Por mais incrível que possa parecer, o livro do Carolino acabou sendo adotado nas escolas públicas de lá. Ou seja, o livro foi adotado oficialmente na rede de ensino de Macau.
Foi aí que um britânico, ao passar por Macau, se deparou com o livro. Surpreso com a “qualidade” das frases e tudo mais, esse britânico escreveu um artigo (uma resenha) sobre o livro para um jornal de Londres. Foi assim que Carolino ganhou fama no mundo de língua inglesa
Claro que a obra de Carolino é tida como livro de humor nos países de língua inglesa. Em 1869, o livro foi publicado nos Estados Unidos e foi vendido, claro, como um livro de comédia. Mark Twain, o famoso autor de clássicos da língua inglesa, foi convidado a escrever o prefácio da publicação em inglês. Nela, Twain escreveu:
Nobody can add to the absurdity of this book, nobody can imitate it successfully, nobody can hope to produce its fellow; it is perfect, it must and will stand alone: its immortality is secure. (Ninguém conseguirá acrescentar mais coisas absurdas a este livro, ninguém será capaz de imitá-lo com maestria, ninguém poderá criar algo parecido; é perfeito, não tem e nem nunca terá um igual, a sua imortalidade é certa.)
Vale ainda dizer que em inglês o título dado à obra de Carolino é English As She Is Spoke, sugerido pelo próprio Mark Twain em tom de piada.
Se você quiser folhear o livro e assim se divertir um pouco mais, clique aqui. Ele está hoje em domínio público. Então, veja lá com seus próprios olhos as pérolas de Carolino.
Conclusão
E assim, minhas nobres leitoras e meu nobres leitores do Inglês na Ponta da Língua, vocês ficaram sabendo um pouco mais sobre a história do ensino de língua inglesa no no mundo de língua portuguesa.
Tudo bem que English as She Is Spoke não foi uma obra que realmente ensinasse inglês. Mas, podemos ver que desde aquela época, muitos desejavam aprender inglês e sempre teve alguém dando um jeitinho para tirar dinheiro dessa turma. Portanto, cuidado com os cursos milagreiros que pipocam na internet o tempo todo!
Acredite! Temos muitos Carolinos por aí! Até a próxima! 🙂
Rapaz, que perola, louvável o esforço do rapaz pra difundir o estudo da lingua.
Verdade, Lord! Louvável o esforço dele! Enfim, ele deu um jeito; mesmo não sendo dos melhores! Mas, pelo menos deixou seu nome na história! rsrsrsrsrs
Excelente matéria Denilson. É sempre muito bom tomar conhecimento de histórias como essa, vale como contexto histórico e ainda rende boas risadas.
Thanks, Luiz! Também acho legal compartilhar essas coisas. Afinal, muitos professores, estudantes de letras, linguistas e profissionais da área acompanham o site. Assim, além das dicas de inglês – que são as de praxe –, podemos também compartilhar coisas como essa. Afinal, ajudam o pessoal a ficar por dentro do contexto histórico e se divertem um pouco. Enfim, continuo em busca de mais fatos curiosos como este. Aguarde! 🙂
Muito boa e interessante estas informações, Denilso! Eu amei conhecer esta história e rir um pouco. Mas não posso deixar de dizer aqui que o cara estava empenhado em mostrar alguma coisa, com interesse só financeiro ou não…. e acredito que muitos que tentaram “aprender” inglês com o livro!!! É….. essa necessidade vem de muito tempo, hein? Pelo menos mais de 160 anos!
Concordo com os outros comentadores que o livro é muito engracado e talvéz um pouco embaraçoso. As traduções fazem-me pensar nas mensagens em inglês que se veem em sinais públicos ou em embalagens de produtos, como se fossem escritas por uma pessoa com um conhecimento limitado de inglês. Em casos assim, é óbvio que o autor queira dizer bem, mas simplesmente não se apercebe que está errado.
Há livros que formam, alguns apenas informam, e outros que são feitos com interesse no lucro fácil. O Carolino dentro de suas limitações, suponho, quis mostrar, segundo seu texto, a precariedade do ensino de sua época, tanto que ele usou apenas dois livros ( não sei se haviam outros ) para montar seu “guia”. O pior é que ele acabou deixando “herdeiros” que, em nossa ṕoca, infestam a internet com “cursos milagreiros” à “preços módicos” !